Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

A vocação humana para a superficialidade e para a idiotice ( Oliver Harden )

Um tratado breve sobre a renúncia à profundidade e o destino frágil da consciência
A questão acerca da superficialidade humana atravessa a história intelectual com a insistência de um problema jamais resolvido. Desde os diálogos de Platão até os aforismos de Nietzsche, passando pelos moralistas franceses, pelos místicos cristãos e pela filosofia contemporânea, repete-se uma inquietação que nunca se apazigua. Por que o ser humano, criatura dotada de razão, linguagem, imaginação e autoconsciência, inclina-se com tamanha facilidade à idiotice e ao raso? O que explica essa rendição quase espontânea à futilidade?
Talvez a melhor resposta esteja no fato de que a profundidade é um chamado, mas a superficialidade é um descanso. O ser humano prefere descansar à responder o chamado.
 
1. Pensar dói, e a dor intelectual é evitada como a dor física
 
O pensamento exige um enfrentamento austero com o real. A reflexão dissolve ilusões, desafia certezas, perturba convicções e devolve ao sujeito sua própria fragilidade. Por isso, como dizia Pascal, “a raiz de todos os males do homem está no fato de ele não conseguir permanecer sozinho em seu quarto”. A solidão reflexiva expõe o indivíduo a si mesmo, e essa exposição raramente é confortável.
Hannah Arendt, ao analisar a banalidade do mal, observou que a incapacidade de pensar é uma forma de abdicação da responsabilidade moral. Não se trata de burrice, mas de uma desistência da vida interior. Pensar é perigoso porque pensar nos responsabiliza. Logo, muitos preferem não fazê-lo.
A idiotice cumpre um papel adaptativo. Ela funciona como um analgésico mental. A superficialidade protege contra o excesso de verdade.
 
2. A economia psíquica da simplificação
 
O ser humano evita atividades que consomem energia cognitiva. Esse princípio básico da psicologia explica por que tantos adotam opiniões prontas, slogans morais, crenças predefinidas.
Ortega y Gasset chamou isso de “alma relaxada”, o movimento da consciência que prefere aderir ao que existe em vez de pensar o que deveria existir.
Nietzsche, com sua ironia brutal, dizia que a maioria pensa com a espinha dorsal, não com o cérebro, porque o pensamento autêntico exige uma força que poucos possuem. A superficialidade opera como uma economia energética do espírito.
A idiotice não é a ausência de pensamento, é o pensamento reduzido ao mínimo necessário para manter a autoestima.
 
3. A sociedade contemporânea produz e consome idiotia em escala industrial
 
A cultura atual não apenas tolera a superficialidade, ela a celebra. Vivemos, como afirmava Debord, num regime de “aparência total”, onde tudo se converte em espetáculo. A verdade cede lugar ao efeito visual, a reflexão cede ao engajamento, e a profundidade cede à rapidez.
Byung Chul Han, em sua análise da hipercomunicação e da psicopolítica, observa que o excesso de informação destrói a capacidade de atenção. A saturação torna impossível o silêncio, e o silêncio é a condição da profundidade.
Sem silêncio não há pensamento, sem pensamento não há profundidade, sem profundidade resta a idiotice.
As redes sociais, por sua arquitetura, premiam o raso.
Opiniões rápidas, indignações instantâneas, frases de efeito, emoções simplificadas.
A idiotice vira moeda de troca, porque a idiotice gera engajamento.
O mercado recompensa o sujeito raso porque o sujeito raso é mais manipulável.
 
4. A covardia metafísica: fugir do abismo que somos
 
A profundidade exige olhar para a própria condição mortal, limitada, contraditória. Exige aceitar a ausência de garantias, a incerteza do sentido, o risco da liberdade. É aqui que entra a covardia metafísica, a tentativa de afastar-se de qualquer reflexão que ameace perturbar o conforto existencial.
Kierkegaard definia o desespero como a incapacidade de ser si mesmo. A superficialidade, nesse sentido, é uma forma de desesperar sem perceber.
A idiotice oferece a ilusão de identidade sem exigir identidade real.
É uma máscara confortável, um papel fácil de desempenhar.
Pense em Dostoiévski, que percebeu com precisão quase cruel que o homem prefere as mentiras que o tranquilizam às verdades que o libertam. O idiota é, muitas vezes, apenas alguém que desistiu de ser livre.
 
5. A idiotice como forma de pertencimento
 
Há uma dimensão social inescapável. A profundidade isola, a superficialidade une.
O raso cria tribos, cria unanimidades, cria pertencimento.
A idiotice é gregária, a lucidez é solitária.
Bourdieu observava que o consenso superficial tem mais poder de coesão social do que a verdade. A verdade divide, a idiotice une. A profundidade exige argumentos, a superficialidade exige apenas identificação.
Nas massas, é a idiotice que governa, não a razão.
Por isso, quanto maior a massa, maior tende a ser o nível de estupidez.
É um fenômeno político, psicológico e até antropológico.
 
6. A liberdade como maldição e redenção
 
A condição humana oscila entre a liberdade e o medo que essa liberdade provoca.
A idiotice é a renúncia ao fardo da liberdade.
A superficialidade é a fuga da responsabilidade pelo próprio pensar.
Mas o mesmo ser humano que se rende à idiotice também é capaz de superá-la.
Nietzsche falava do homem como uma corda estendida entre o animal e o super-homem.
A maioria permanece no animal, mas alguns ousam caminhar pela corda.
Não porque é fácil, mas porque é verdadeiro.
Não porque conforta, mas porque eleva.
A profundidade raramente dá paz, mas dá dignidade.
A superficialidade dá conforto, mas rouba a substância da vida.
A tendência humana para a superficialidade é quase infinita, mas essa infinitude não é destino. Ela é apenas a manifestação da resistência do espírito diante da própria grandeza possível. A idiotice é a fuga da altura. A profundidade é a coragem de suportá-la.
No fim, a pergunta decisiva não é por que o ser humano tende à idiotice, mas por que tão poucos escolhem a lucidez.
E talvez a resposta esteja no fato de que a lucidez é uma forma de solidão, mas também uma forma de soberania interior.
A superficialidade protege do mundo, mas a profundidade protege de si mesmo.
 
Oliver Harden

Autor: Eduardo Gomes
Data: 30/11/2025

 

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