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O ser humano é uma criatura que pensa ( Oliver Harden )
O ser humano é uma criatura que pensa, mas esse pensamento não o salva, ele o corrói. Se há algo que realmente nos distingue dos animais, não é a razão em sua glória, é a razão em sua tortura, essa chama amarga que, em vez de iluminar, lança sombras ainda mais densas. Pensamos porque não conseguimos fugir de nós mesmos, e, no entanto, cada pensamento é também um golpe, uma acusação silenciosa, uma pergunta que nos arrasta para o tribunal interior de onde ninguém sai absolvido.
Mesmo possuindo a habilidade de criar beleza, de erguer mundos inteiros com a palavra, de imaginar o infinito, nos entregamos docilmente aos instintos mais rasos, como se buscássemos anestesia. Não é ignorância, é exaustão. A alma humana, quando pensa demais, torna-se uma casa onde as paredes rangem, onde o ar se torna pesado, onde os próprios pensamentos caminham como espectros. Há momentos em que o homem deseja, com todo o coração, ser como um animal, porque o animal vive, sente e morre sem carregar a consciência como um fardo. E o fardo, ah, esse pesa como uma pedra infinita.
Essa nostalgia pelo instinto é, na verdade, fuga, fuga da responsabilidade de existir com lucidez. Pensar é perigoso porque pensar abre portas, e, uma vez abertas, não se fecham mais. A liberdade é uma promessa venenosa, porque nos diz, com toda a crueldade, que tudo depende de nós, inclusive o horror de nossas escolhas. A sabedoria, tão exaltada pelos santos e filósofos, não passa de uma lâmpada frágil oscilando no vento da dúvida. E quem pensa demais logo descobre que a verdade, se existe, não consola, mas atormenta.
É sempre mais fácil renunciar às alturas da razão e se entregar ao torpor dos sentidos. Mais fácil não indagar, não sondar o coração humano, não se perguntar por que somos capazes de tamanha crueldade, de tamanha desordem. Mas, ao fugir, traímos aquilo que ainda restava de humano em nós. Porque a dignidade do homem está precisamente em seu tormento, nessa luta interior que nunca termina. O animal sofre no corpo, o homem sofre na alma, e esse sofrimento é a sua marca e a sua maldição.
Ser humano, na verdade, é carregar dentro do peito uma guerra civil. É saber que, por mais que tentemos, somos feitos de contradições, de impulsos que se chocam, de desejos que se devoram. Queremos o bem, mas a sombra do mal nos acompanha como um duplo silencioso. Queremos a verdade, mas tememos o que ela revelará. Queremos Deus, mas duvidamos dele a cada instante. Queremos ser livres, mas trememos diante da responsabilidade da liberdade. E é nesse conflito que habitamos, como Ivan, que, percebendo demais, sofre demais, pensa demais, duvida demais.
E, contudo, é justamente nesse ponto de ruptura, nessa dúvida que queima e que jamais encontra repouso, que reside nossa singularidade trágica. O homem não se define pelo que alcança, mas pelo que o atormenta. Ele não é grande por ser puro, mas por não se resignar ao próprio desespero. Há, no fundo de toda alma humana, um desejo tímido de redenção, mesmo quando a mente já se perdeu nas sombras da dúvida absoluta.
Ser humano é viver nesse limiar onde a lucidez é um veneno lento e a esperança, uma centelha que insiste em não morrer. É existir nesse embate onde a alma procura Deus e, ao mesmo tempo, cria infernos dentro de si. É ser, como Ivan, aquele que carrega o peso de saber demais e a dor de não poder esquecer.
Oliver Harden
Autor: Eduardo Gomes Data: 21/11/2025
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