Poesias

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Diálogo Fictício entre Maquiavel e Dostoiévski ( Oliver Harden )

Título: “A Prisão Invisível”
Cenário:
Uma sala silenciosa, iluminada apenas por uma lamparina. Maquiavel, com o olhar agudo de quem observa o poder em sua anatomia mais crua, afia a pena. Dostoiévski, absorto, mantém o rosto mergulhado em sombras, como se o peso da alma humana lhe caísse sobre os ombros. O tempo parece suspenso, como se Roma e São Petersburgo coexistissem no mesmo instante.
MAQUIAVEL:
Meu caro Dostoiévski, há uma prisão mais eficaz que as muralhas, mais eficiente que os grilhões. É aquela em que o prisioneiro acredita ser livre. Os governantes mais sábios não governam pela força, mas pela ilusão.
DOSTOIÉVSKI:
Ilusão… palavra terrível. O homem que vive iludido é o mais desgraçado dos cativos, porque sequer sonha em escapar. É o escravo que sorri para o seu algoz, crendo que sorri para um amigo.
MAQUIAVEL:
Mas, caro escritor das profundezas, essa é precisamente a arte do poder. Um príncipe hábil não precisa de correntes, apenas de símbolos. Quando o povo crê, já obedece. Quando a mente é cativa, o corpo não precisa de cela.
DOSTOIÉVSKI:
Sim, mas o preço dessa docilidade é a morte da alma. Eu vi homens ajoelhados diante de tiranos e percebi que a obediência não era fruto do medo, mas do hábito. O costume é uma cela dourada, e o conforto é o carcereiro mais diligente.
MAQUIAVEL:
Dourada ou não, é eficaz. O governante não busca almas salvas, mas reinos estáveis. Se a ignorância mantém o povo em paz, que mal há nisso? Melhor um prisioneiro sereno do que um rebelde enlouquecido.
DOSTOIÉVSKI:
Ah, mas a serenidade da ignorância é o mais profundo dos infernos. Quando o homem perde a consciência da própria prisão, perde também o sentido do ser. É preferível o desespero do rebelde à felicidade do adormecido.
MAQUIAVEL:
O senhor, Dostoiévski, fala como um profeta que busca a salvação do homem. Eu, porém, falo como quem o conhece. O poder não se sustenta na verdade, mas na crença. O príncipe não pergunta se a prisão é justa, apenas se é estável.
DOSTOIÉVSKI:
E, no entanto, Nicolau, mesmo o mais hábil dos príncipes termina prisioneiro de suas próprias artimanhas. O carcereiro acaba por se trancar dentro da cela que construiu. Aquele que domina pela ilusão vive cercado de espelhos que o enganam.
MAQUIAVEL:
Talvez… mas ainda prefiro o cárcere que governa ao caos que liberta. A liberdade, meu caro, é um luxo perigoso. Ela excita paixões, destrói instituições, e alimenta monstros.
DOSTOIÉVSKI:
E, contudo, é a única coisa que faz o homem digno de existir. O homem sem liberdade não é homem, é autômato. A verdadeira prisão é a inconsciência de si mesmo.
MAQUIAVEL:
Então, por sua lógica, vivemos todos encarcerados.
DOSTOIÉVSKI:
Exato. Uns nas celas do poder, outros nas celas do desejo, outros ainda nas celas do medo. A diferença é que alguns percebem as grades e sofrem, enquanto a maioria dança entre elas acreditando estar em praça aberta.
MAQUIAVEL:
E quem percebe as grades, o que faz?
DOSTOIÉVSKI:
Ou enlouquece… ou escreve.
Silêncio.
A lamparina vacila. Maquiavel observa a sombra projetada de Dostoiévski na parede, ela se assemelha a um homem preso entre barras de luz.
MAQUIAVEL (baixando a voz):
Talvez a melhor prisão seja mesmo aquela em que o indivíduo não sabe que está preso… mas a pior é quando ele descobre, e percebe que já não há para onde fugir.
DOSTOIÉVSKI:
E é aí, meu caro florentino, que nasce a tragédia, e com ela, a literatura.
Fim

Autor: Eduardo Gomes
Data: 29/10/2025

 

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