Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

A realidade é uma só... ( Oliver Harden )

A realidade é uma só, mas o ser humano, em sua ânsia de significar o indizível, multiplica-a em mil fragmentos. Há uma única tessitura ontológica sustentando o universo, porém cada consciência a percebe como um espelho rachado, em que cada fenda reflete um ângulo distinto do mesmo ser. Assim, a verdade se dispersa em opiniões, e a unidade do real é dissolvida pela imaginação subjetiva que tenta moldá-lo à medida de seus desejos, medos e vaidades.
O homem não suporta o peso do real em sua nudez, pois o real é mudo, impenetrável e indiferente. Para suportá-lo, inventa histórias, religiões, ideologias, amores e ilusões que o recobrem de sentido. A pluralidade das “realidades” humanas é o disfarce poético de uma impotência metafísica: a de não poder habitar o mundo sem adorná-lo com ficções. Nietzsche já advertira que “temos a arte para não morrer da verdade”, e poderíamos ampliar sua máxima dizendo que temos as ilusões para não perecer da lucidez.
O mundo, em si, não carece de interpretação. É o homem que, incapaz de tolerar o silêncio do ser, ergue sobre ele as catedrais do delírio. A ciência, a política, a fé, a arte, todas são maneiras distintas de lidar com a mesma vertigem: a de existir em um cosmos que não responde. Cada sistema humano é uma tentativa de ordenar o caos, de transformar o fluxo impessoal da realidade em um cenário habitável.
Mas há uma ironia trágica nessa multiplicação de mundos: quanto mais o homem fabrica realidades, mais se distancia da única que existe. A multiplicidade de suas crenças e narrativas é uma babel ontológica, um ruído que o impede de ouvir o murmúrio essencial do ser. A verdade, que poderia ser simples, torna-se inatingível, soterrada sob o peso das máscaras que inventamos para não vê-la.
E, no entanto, é precisamente essa capacidade de invenção que nos torna humanos. O mesmo impulso que deforma a realidade é o que cria a poesia, a filosofia, o amor. O homem é o animal que mente porque sonha, que distorce porque sente. Sua condenação e sua glória residem no mesmo gesto: transformar o real em símbolo, e o símbolo em lar.
A realidade é uma só, sim, mas o homem a fragmenta para poder amá-la. Porque talvez o intolerável não seja o real, mas a solidão de sua pureza. Inventar mundos é o modo humano de pedir perdão ao silêncio do universo.

Autor: Eduardo Gomes
Data: 26/10/2025

 

Categorias Poéticas:


Eduardo Gomes          Tel.: 55 - 71 - 98148.6350     Email: ebgomes11@hotmail.com | Desenvolvido pela Loup Brasil.