(...) "Que fazes aqui?", disse, por fim: "Desde muito eu sabia que o Diabo me daria uma rasteira. Agora, ele me arrasta para o inferno; pretendes impedi-lo?"
"Pela minha honra, amigo" respondeu Zaratustra, "não existe nada daquilo que disseste: não existe o Diabo nem inferno. A tua alma estará morta ainda mais depressa do que o teu corpo; portanto não receies nada!"
O homem ergueu os olhos, desconfiado. "Se o que dizes é verdade", falou depois, "eu, então, nada perco, ao perder a vida. Não sou muito mais do que um bicho, que ensinaram a dançar à força de pancadas e pouca comida."
"Oh, não", retrucou Zaratustra; "fizeste do perigo o teu ofício, nada há disso de desprezível. Morres, agora, vítima do teu ofício; por isso, quero sepultar-te com minhas próprias mãos."
Depois que Zaratustra disse essas palavras, o moribundo não respondeu mais; mas moveu a mão como se procurasse, para agradecer, a mão de Zaratustra.
Texto de Friedrich Nietzsche, dans "Assim Falava Zaratustra"