Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

O Realismo dos que já Morreram por Dentro ( Oliver Harden )

Há um instante em que a alma, cansada de sonhar, decide abdicar da esperança como quem despe uma veste antiga. Nesse instante nasce o cínico, não como um vilão, mas como um sobrevivente. Ele não acredita mais nas virtudes que o mundo exalta, nem nas promessas que os homens sussurram para suportar o tédio dos dias. Seu olhar, seco e transparente, já atravessou o teatro das ilusões, e de lá regressou sem aplausos.
O cinismo é, portanto, a sabedoria amarga de quem aprendeu a desconfiar da pureza. É o realismo dos que sangraram demais para continuar acreditando em flores. Ele é o irmão desiludido da lucidez, a máscara que protege da ingenuidade, o escudo de quem já viu o amor degenerar em hábito e a fé dissolver-se em conveniência. O cínico não destrói os ídolos, apenas os observa com o mesmo desdém com que se observa uma estátua rachada, bela, mas inútil.
Há, contudo, uma dignidade secreta nesse desencanto. O cínico, ao negar as aparências, mantém-se fiel ao que resta de autêntico em si, o horror à mentira. Por isso, sua ironia é uma forma de resistência, uma espécie de coragem invertida. Ele ri não porque despreza o mundo, mas porque o entende demais.
No fundo, o cinismo é o luto da pureza. É o estágio final da inocência, quando a mente já compreendeu que a verdade, nua, raramente é bela, e que a beleza, quase sempre, é vestida de engano. Talvez o cínico não tenha perdido as ilusões, apenas tenha aprendido a olhá-las de frente, e, ao fazê-lo, descobriu que nelas ainda habita algo de profundamente humano, esse anseio de acreditar, mesmo depois de saber.
O verdadeiro cínico é, pois, um poeta exaurido. Sua lucidez é uma ferida aberta que se recusou a cicatrizar. E é talvez por isso que, entre os risos amargos que oferece ao mundo, ainda se escuta, no fundo de sua voz, o eco longínquo de uma esperança que ele finge não possuir.
Oliver Harden

Autor: Eduardo Gomes
Data: 18/10/2025

 

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