Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

A permanência do mal e o esquecimento do bem: ( Oliver Harden )

Shakespeare, com a acuidade de quem sabia sondar as dobras mais obscuras da alma humana, escreveu em Júlio César: “O mal que os homens fazem sobrevive a eles, o bem muitas vezes é sepultado junto com seus ossos.” A sentença não é apenas um comentário cênico sobre a política romana, mas um diagnóstico universal da memória humana, um espelho cruel da forma como lembramos e julgamos a existência.
A persistência do mal...
O mal, por sua própria natureza, possui uma força corrosiva que ultrapassa a duração biológica do indivíduo. Ele se propaga como cicatriz coletiva, inscrevendo-se na memória social e atravessando gerações. Guerras, traições, injustiças e abusos de poder tornam-se marcos históricos, perpetuados em narrativas que não apenas informam, mas moldam a percepção do humano. É como se o mal tivesse o dom da imortalidade, enquanto o bem, apesar de mais necessário, fosse condenado à fragilidade da lembrança efêmera.
O esquecimento do bem...
Já o bem, mesmo quando praticado em grandeza, tende a ser assimilado como algo natural, quase esperado, e por isso perde o brilho da recordação. Um ato de bondade genuína, uma entrega silenciosa, um sacrifício discreto, raramente adquirem a mesma intensidade memorial que uma violência, uma injustiça ou uma traição. Assim como flores que se desfazem no tempo, o bem é frequentemente soterrado com o corpo daquele que o praticou, dissolvendo-se na poeira da história.
Entre memória e injustiça...
Aqui se revela uma amarga ironia: o que deveria nutrir a posteridade é o que menos permanece, enquanto aquilo que fere e destrói grava-se como tatuagem indelével na carne da humanidade. Nietzsche já advertia que a memória humana foi forjada inicialmente como memória do sofrimento, da dor imposta, da punição que se grava a ferro e fogo. Nesse sentido, a sentença shakespeariana encontra eco em uma antropologia sombria: lembramos mais facilmente da dor do que do cuidado, da ofensa do que do perdão.
A responsabilidade da recordação...
Se o bem tende a ser esquecido, talvez caiba à consciência ética do homem lutar contra essa tendência, preservando em sua memória e em sua cultura os gestos de bondade e justiça. Simone Weil dizia que a atenção é a forma mais pura do amor, e talvez seja também o antídoto contra o esquecimento. Atenção àquilo que é pequeno, silencioso, àquilo que não fere, mas sustenta. Recordar o bem é um ato político e espiritual, uma resistência contra a tirania da memória do mal.
Em última instância, a frase de Shakespeare não deve ser lida como fatalismo, mas como advertência. Se deixarmos a memória seguir seu curso natural, ela perpetuará o mal e enterrará o bem. Mas se intervirmos, se cultivarmos uma memória ativa, poderemos inverter essa lógica, celebrando os gestos de justiça e compaixão que, embora frágeis, constituem o verdadeiro cimento da humanidade.

Autor: Eduardo Gomes
Data: 23/08/2025

 

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