A Música que Respira no Silêncio da Alma. ( Oliver Harden )
Há uma presença que não se vê, mas que atravessa o tempo como um sopro de eternidade. Ela nasce do atrito invisível entre cordas e arcos, do toque sutil dos dedos sobre teclas brancas e pretas, do fôlego encantado que se esparrama pelos metais e madeiras. A música clássica, essa arquitetura invisível do espírito, não fala, mas diz. Não toca o corpo, mas penetra a alma com a delicadeza cortante de um raio de luz atravessando a penumbra.
Ela não é apenas som, mas presença metafísica, uma forma de pensamento em estado sonoro. Enquanto os olhos se perdem no mundo visível, os ouvidos são chamados a contemplar o invisível, a escutar o que não tem nome, o que não pode ser dito, apenas sentido. E o que é sentido com a música clássica não pertence ao cotidiano, mas àquilo que se insinua além dele, o sublime, o trágico, o divino, o humano elevado à sua potência máxima.
A cada compasso de Bach, sentimos que há uma ordem secreta sustentando o caos. Em Mozart, o equilíbrio se faz dança entre a razão e a leveza. Beethoven, por sua vez, rompe os céus e nos ensina que a fúria também pode ser beleza. Chopin, Schubert, Mahler, cada um deles é como um demiurgo que molda os sentimentos com sons, tal como Platão descrevia a alma sendo afinada como uma lira pelas mãos da razão divina. E então há Pachelbel, cuja simplicidade melódica nos alcança com uma doçura quase ancestral, como se o tempo, em seu Canon in D, deixasse de ser linha para tornar-se espiral, repetição ritualística de algo que sempre foi, e que nos comove por sê-lo eternamente.
A música clássica não distrai, ela revela. Quando adentra o ouvido, faz-se ponte entre o mundo exterior e os abismos interiores. Há nela uma alquimia sensível que transforma a angústia em catarse, a melancolia em contemplação, a dor em grandeza. E como não se emocionar diante de um adágio que, com seu arrastar compassado, parece sussurrar que o tempo é um mistério e que a eternidade cabe em um acorde suspenso?
A música clássica é o único idioma em que se pode chorar sem vergonha, amar sem objeto, sofrer sem causa, elevar-se sem sair do lugar. Ela toca onde nenhuma palavra alcança, invade os labirintos mais remotos da alma e ali acende lâmpadas de sentido. Ela é presença invisível que nos consola, que nos purga, que nos prepara, como um hino sagrado, para habitar a nobreza da existência.
Não é exagero afirmar que, por vezes, ela salva. Não com promessas, mas com beleza. E que beleza! Uma beleza que não é decorativa, mas abissal. Que não enfeita, mas transfigura. Que não se oferece como consumo rápido, mas exige do ouvinte o silêncio reverente de um iniciado.
Na era do ruído e da distração, escutar música clássica é quase um ato de resistência espiritual. É reencantar o mundo com aquilo que jamais deveria ter deixado de ser sagrado. É lembrar que, mesmo sem dizer uma palavra, a música pode nos devolver a nós mesmos, quando tudo parece nos querer roubar.
E talvez seja esse o seu maior milagre, nos fazer lembrar que a alma existe, e que ela, sim, sabe ouvir.
Oliver Harden
Autor: Eduardo Gomes Data: 06/08/2025
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