Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

A Poética da Intimidade e o Naufrágio da Exposição: ( Oliver Harden )

Há uma espécie de beleza que só existe no véu. O véu que cobre sem ocultar, que insinua sem revelar, que protege sem afastar. Essa beleza chama-se intimidade. E a intimidade, essa substância delicada do ser, é talvez o bem mais precioso que uma alma pode possuir, pois é nela que repousa o mistério, e é o mistério que preserva o encanto.
Viver é, em grande parte, o exercício de escolher o que se mostra e o que se guarda. E a intimidade, essa zona sagrada entre o visível e o indizível, deve ser habitada com reverência, como se caminhasse num templo. Expô-la ao olhar do mundo é como acender luzes fluorescentes sobre uma pintura a óleo, como descrever um poema com uma planilha, destrói-se o encantamento em nome da legibilidade imediata.
Toda pessoa que se expõe demasiadamente, que despeja suas dores, desejos, rotinas e confissões na vitrine digital da internet, não compreende que está profanando aquilo que poderia ser seu diamante. A intimidade, quando exposta sem critério, não é mais um relicário, mas um balcão de feira. Não é mais relíquia, é mercadoria. E como toda mercadoria banalizada, perde valor pela abundância e se torna descartável pela repetição.
Há, na verdade, um desespero silencioso por trás de tanta exposição. Um clamor por validação, um pedido velado de “olhem para mim”, não porque se tem algo a dizer, mas porque não se sabe como sustentar o próprio silêncio. A fala íntima, quando desprovida de contexto e de interlocutor legítimo, deixa de ser confidência e se torna ruído. Há mais desamparo do que coragem nesses gestos de abertura pública, mais vaidade ferida do que autenticidade.
A intimidade é poesia, e como toda poesia, precisa ser decifrada, sentida, recitada ao pé do ouvido da confiança. Não se grita poesia no mercado, nem se escreve soneto nas paredes de banheiros públicos. Ela pede atmosfera, escuta, tempo. Pede o outro certo. Pede o momento certo. E, sobretudo, pede que antes de ser compartilhada, tenha sido verdadeiramente compreendida por quem a carrega.
A intimidade é também resistência. Resistência contra a superficialidade epidêmica do mundo atual, onde tudo se diz, tudo se mostra, tudo se exibe, mas quase nada se vive em profundidade. Manter a intimidade intacta é como manter um cofre selado em meio ao caos da feira, é declarar que há coisas que não estão à venda, que não se publicam, que não se simplificam em stories ou legendas.
É verdade que somos seres relacionais e que o diálogo com o outro nos constitui. Mas há uma diferença abissal entre o diálogo e a exposição. O primeiro edifica, o segundo fragmenta. O primeiro é comunhão, o segundo é performance. A exposição da intimidade, quando feita por necessidade de atenção, não comunica, apenas consome, consome a imagem, a essência e, sobretudo, o mistério.
E o mistério, lembremos, é o último reduto do encanto. Aquilo que se revela por inteiro cansa. Aquilo que se guarda em silêncio, instiga. O ser humano, ao contrário do que pensa o narcisismo contemporâneo, não precisa ser todo compreendido, todo explicado, todo revelado. Precisa, antes, ser escutado com paciência e, sobretudo, respeitado em seus silêncios.
Portanto, se há algo verdadeiramente valioso na vida, não é aquilo que se publica, mas aquilo que se preserva. A intimidade não é palco, é santuário. E, ao contrário do que prega o mundo digitalizado, o brilho mais raro não vem da exposição constante, mas daquilo que, como os diamantes, repousa em segredo, aguardando o olhar certo para ser contemplado, jamais devorado.
Oliver Harden

Autor: Eduardo Gomes
Data: 03/08/2025

 

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