A Finitude como Mestra do Viver: ( Oliver Harden )
A impermanência talvez seja a única certeza que não se esvai entre os dedos da existência, a verdade última que nos observa desde a aurora do ser até o ocaso inevitável. Tudo o que se ergue no palco do mundo, por mais sólido ou deslumbrante que pareça, dissolve-se com o implacável rolar das horas, como castelos de areia à mercê da maré. As prioridades que ontem nos pareciam inegociáveis tornam-se, sob o crivo do tempo, trapos desbotados de um desejo mal interpretado. Resta-nos, então, a sensação de termos sido iludidos por promessas vãs, de termos desperdiçado, por vezes com nobre intenção, o bem mais precioso, o tempo.
A vida nos escapa, muitas vezes, sem anunciar sua partida. Num breve entreabrir de olhos, algo se inicia, cresce, pulsa e, sem aviso, declina. Nada é plenamente seguro, nenhuma posse é perene, nenhum afeto é invulnerável. Ingressamos nesta odisseia solitários e desnudos, e ao longo da travessia somos lançados às marés das experiências humanas, desejar, conquistar, perder, padecer, chorar, insistir… Até que, ao cabo dessa peregrinação, retornamos à solidão originária, onde a morte, silenciosa e majestosa, nos restitui à condição primeira do estar sós.
Nem riqueza nem penúria, nem glória nem anonimato nos protegerão do toque nivelador da morte. Ela, que não negocia nem hesita, paira como um espelho invertido, refletindo não o que possuímos, mas aquilo que somos sem adornos. Quando enfim cessamos de existir neste plano, tornamo-nos apenas lembrança, vestígios tênues na memória dos que permanecem.
Nossas interações, por sua vez, são como encontros casuais entre estranhos num estacionamento vazio, metáfora cruel da fugacidade que nos habita. Olhares se cruzam com a leveza do acaso, sorrisos são ofertados como acenos ao desconhecido, cumprimentos selam breves pactos de civilidade, mas, quase sempre, a indiferença regressa ao seu posto. Raros são os vínculos que resistem à erosão do tempo, pois quase tudo se encerra em despedidas, muitas delas silenciosas, sem promessa de regresso.
Eis, então, o desvelamento da vida, um lampejo efêmero, um interlúdio entre o nada e o nada, um sopro que se extingue no exato momento em que se torna consciente de si. Os que compreendem tal verdade, por mais dolorosa que seja, tornam-se guardiões de uma lucidez rara, capazes de fruir a existência sem a ilusão da eternidade, investindo o tempo, já tão escasso, em gestos que não ferem, palavras que não dilaceram, ações que, se não encantam, ao menos não adoecem.
Não há tempo a ser doado às contendas estéreis, às discussões inócuas, às mágoas cultivadas como troféus do ego. Quando se contempla o destino comum da humanidade, seja nos grandes impérios, seja nos pequenos lares, compreende-se que há pouco a fazer além de honrar as frágeis interações que mantemos uns com os outros. E, paradoxalmente, são essas as que relegamos ao esquecimento, enquanto nos deixamos seduzir por prioridades grotescamente mundanas, espelhos distorcidos do que imaginamos ser desejo.
Frequentemente, aquilo que mais perseguimos revela-se, enfim, incapaz de nos saciar. A sede é anterior à fonte, e a busca, ininterrupta, talvez seja o verdadeiro cárcere. E quando, fatigados, voltamos o olhar à trilha percorrida, não raro percebemos que os vínculos e as posses outrora considerados vitais tornaram-se irrelevantes, sombras de um apego que nos cegava.
De modo paradoxal e, talvez por isso mesmo, iluminador, é a própria morte que nos ensina a viver com mais sabedoria. Pois ela nos obriga a abandonar toda ilusão de permanência, toda esperança de acúmulo eterno, toda fantasia de distinção duradoura. O portal final não permite bagagens, títulos ou glórias, ali, o magnata e o mendigo, o célebre e o anônimo, o soberano e o subalterno se tornam um só. E é justamente nessa niveladora brutalidade que a morte se revela pedagoga do viver.
A finitude, ao invés de inimiga, torna-se conselheira. E, se ouvirmos seu sussurro, tão antigo quanto o primeiro suspiro do mundo, talvez descubramos que viver com intensidade é, na verdade, viver com consciência da impermanência.
Autor: Eduardo Gomes Data: 03/08/2025
|