Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

Entre a Criação e o Abismo, a pulsão ambígua do homem entre o construir e o destruir ( Oliver Harden )

A aparente contradição entre o ímpeto construtivo e a vocação destrutiva do ser humano não é apenas uma anomalia moral ou histórica, mas uma chave antropológica profunda, enraizada na estrutura ambivalente da consciência humana. O homem, esse animal simbólico de que falava Cassirer, ergue catedrais ao céu, mas também as bombardeia. Cria a arte, a ciência e a ética, mas simultaneamente fabrica armas, degrada a natureza e corrompe a própria linguagem. O dilema posto, de que o homem, embora construtivo, parece nutrir um fascínio pela destruição, exige mais do que uma resposta moralista. Exige uma anatomia das pulsões que o constituem.
Talvez seja necessário evocar, com Freud, a ideia da pulsão de morte (Todestrieb), não como metáfora dramática, mas como realidade psíquica constitutiva. Ao lado de Eros, o princípio que une, cria e vitaliza, pulsa também Tânatos, a tendência ao retorno ao inorgânico, à dissolução do eu, à negação do outro. O homem constrói, sim, mas não por pura benevolência ou altruísmo, e sim porque constrói contra algo, para vencer a escassez, para desafiar a morte, para afirmar seu efêmero domínio sobre o caos. E é justamente aí, no coração da construção, que germina a sombra da destruição. Pois o que é erguido, ergue-se com data de ruína. O monumento, por mais eterno que pretenda ser, carrega em sua base a promessa do pó.
Nietzsche já intuía essa duplicidade ao afirmar que todo ato criador é também um ato de negação. Criar é destruir o que havia antes. O novo exige a derrocada do velho. A construção, nesse sentido, carrega em si uma violência original, um desejo de ultrapassar, apagar, suplantar. Mas há mais, o homem não suporta a saciedade. Ao atingir o objetivo, como mencionado no trecho, sua vitalidade se esvazia. A finalidade, uma vez alcançada, transmuta-se em tédio, em paralisia do desejo, e isso o lança novamente à necessidade de romper, quebrar, recomeçar. É como se a vida humana fosse movida não pelo repouso na conquista, mas pela tensão da busca. E uma busca contínua exige, por vezes, a destruição do que já foi alcançado.
A história confirma essa lógica trágica. Civilizações que atingem o ápice de sua sofisticação não raro mergulham, logo depois, em guerras, barbáries ou decadência espiritual. O conforto leva à estagnação, a estagnação ao desencanto, e este ao niilismo ativo que, por não suportar o vazio, escolhe a violência como via de reinvenção. É como se o homem, ao perder o sentido, encontrasse na destruição um eco tardio de potência. A bomba atômica, por exemplo, foi a expressão máxima do engenho humano, e sua manifestação mais obscena. Um Prometeu que, tendo roubado o fogo, agora incendeia o mundo.
Há também um aspecto existencial, o homem, consciente de sua finitude, constrói para vencer a morte simbólica, mas destrói para reafirmar que ainda está vivo. O ato destrutivo, por mais irracional que pareça, é uma afirmação desesperada de existência, um grito contra a indiferença do tempo. Destruir é, por vezes, sentir. É rasgar o véu da rotina e reativar a sensação de ser.
Por fim, talvez o mais trágico não seja o fato de que o homem destrói, mas que ele destrói com consciência, com método, com estética. A destruição humana não é apenas brutalidade instintiva, é inteligência pervertida, é cálculo minucioso a serviço da morte. O mal humano, como já observou Hannah Arendt, pode ser banal, mas não é burro.
A condição humana, portanto, é essa oscilação tensa entre o desejo de permanência e a pulsão de aniquilação. O homem constrói catedrais e erige campos de extermínio. Cria vacinas e experimenta torturas. Escreve poemas e dispara balas. E talvez, entre o martelo do construtor e o punho do destruidor, habite a trágica beleza da nossa espécie, tão sublime, quanto perigosa.
Oliver Harden

Autor: Eduardo Gomes
Data: 31/07/2025

 

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