O Pensamento como Refúgio da Da vida e Santuário da Existência. ( Oliver Harden )
Recolhido ao meu eremitério interior, onde a solidão não é ausência, mas presença transfigurada, descubro que é no silêncio, e não no clamor do mundo, que o pensamento alcança sua estatura mais elevada. O ruído exterior, essa cacofonia de certezas gritadas, verdades rasas, transforma a sociedade numa arena de repetições autômatas, onde a ignorância tornou-se não apenas tolerada, mas celebrada como virtude. Vivemos em um tempo em que o consenso substituiu a verdade, e o coletivo, essa entidade anônima e insaciável, consome a singularidade como o mar devora o traço da onda.
O pensamento, em contrapartida, é rebelião silenciosa. Ele não grita, mas sussurra com a força de um trovão íntimo. Pensar é duvidar, e duvidar é o mais sutil dos heroísmos. A dúvida não é fraqueza, mas coragem refinada, expressão da mente que se recusa a ser cúmplice da pasmaceira mental que a cultura de massas impõe como dogma. Enquanto o mundo se ajoelha diante da velocidade, da superfície, eu me prostro diante da lentidão do pensar, da profundidade da interrogação.
A sociedade contemporânea não pensa, apenas replica. É um teatro de ecos, um labirinto de frases feitas, ideias recicladas, onde a autenticidade é vista como ameaça, e a originalidade, como desvio. Nesse cenário de mediocridade exaltada, o pensamento torna-se uma forma de resistência estética, existencial. Pensar, hoje, é quase um ato obsceno diante do culto ao espetáculo, da performance vazia do intelecto domesticado.
Retiro-me, pois, não por misantropia, mas por amor ao sagrado ofício de refletir. Cada ideia que concebo é uma flor que brota entre escombros, cada dúvida que cultivo é um gesto de fidelidade à complexidade da existência. A certeza é a religião dos que abdicaram de pensar, mas a dúvida, essa companheira exigente, me salva da cegueira dogmática, me conduz às veredas da criação.
A arte, por conseguinte, não é ornamento, mas resistência. É o grito que o silêncio entoa quando não há mais espaço para o óbvio. Cada palavra escrita, cada forma moldada, cada nota composta, constitui um ato de desobediência contra a ditadura da normalidade. A rotina é a liturgia do conformismo, e a repetição, seu cântico fúnebre. Mas o artista, aquele que pensa, dança fora do compasso, tropeça de propósito, cai em abismos voluntários, apenas para encontrar, lá no fundo, uma verdade que escapa aos olhos acostumados à luz rasa.
O isolamento, longe de ser clausura, é um espaço ontológico. Não é fuga, mas mergulho. Um retorno a si, ao âmago onde a dúvida germina como semente fértil. Ali, o ser se reinventa, e o pensar não é mero exercício cognitivo, mas sacerdócio interior. A dúvida, então, não é veneno, mas elixir que alimenta o espírito, o protege da decomposição pela rotina.
Recuso-me, portanto, a fazer parte da manada dos convencidos. O rebanho vive no conforto do consenso, mas paga caro por ele, sacrifica o espírito, abandona o espanto, liquida a inquietação. Mas é justamente na inquietude que o humano se revela. Ser humano é estar à altura da dúvida, é suportar o peso do não saber, sem se precipitar nos braços fáceis da resposta pronta. É permanecer suspenso, como Ícaro entre o céu e o mar, consciente do risco, ainda assim desejando o voo.
E assim, em cada gesto criativo, não apenas resisto, mas afirmo, o pensamento é minha morada, a dúvida é meu idioma, a arte é meu exílio voluntário. Aqui, neste espaço conquistado ao ruído, celebro a liberdade de ser aquele que, mesmo sozinho, não se cala, pois sabe que a verdadeira liberdade é a de poder duvidar de tudo, inclusive de si mesmo. Pensar, neste mundo de aparências, é um ato radical de existência. E existir, enfim, é ter a coragem de não pertencer.
Autor: Eduardo Gomes Data: 29/07/2025
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