Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

O ser humano: um enigma bipartido. ( Oliver Harden )

“Conhece-te a ti mesmo”, exortava a inscrição délfica, ecoando pela eternidade como um sussurro abissal dirigido a uma criatura que, paradoxalmente, é o próprio enigma de si. O ser humano, esse animal simbólico, não é apenas um ente biológico entre outros, mas um abismo consciente que se interroga, que sonha, que fere e que escreve. É ao mesmo tempo Prometeu acorrentado e Ícaro em queda, uma síntese agonizante entre o barro e o verbo.
A matéria de que somos feitos é a mesma que estremece nas estrelas, e ainda assim, o que nos singulariza não é a argila de carbono, mas a inquietação do espírito. Somos, como queria Pascal, um caniço pensante, frágil, quebradiço, mas capaz de compreender o cosmos que o esmaga. E é precisamente essa consciência da própria finitude que nos redime da insignificância. Em nós, a natureza se descobre cindida, somos natureza que se sabe imperfeita, e, por sabê-lo, tenta transcender a si mesma.
Em nossos ossos vibra a memória arcaica da floresta, mas em nosso olhar arde o desejo metafísico do infinito. Somos animais que sonham com deuses, que inventam moral para domesticar os instintos, e que edificam catedrais para tentar alcançar com pedras aquilo que nos escapa com lágrimas. Tudo em nós é ambivalente, uma orquestra dissonante de instinto e razão, ternura e crueldade, esperança e desespero.
Amamos como se o amor nos salvasse da morte, e odiamos como se o ódio nos redimisse da própria impotência. Escrevemos poemas para eternizar o efêmero, e inventamos guerras para justificar o caos interno que nos devora. Por vezes, somos anjos bêbados de razão, outras vezes, feras disfarçadas de civilização.
Cada ser humano é um microcosmo de contradições, um drama existencial encenado entre o céu e a terra. Herdamos o desejo de eternidade, mas habitamos um corpo condenado ao apodrecimento. Aspiramos à verdade, mas dançamos com máscaras, queremos a liberdade, mas trememos diante da responsabilidade que ela exige. Nietzsche vislumbrou esse dilema quando afirmou que “o homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem”, um equilíbrio precário sobre o abismo da própria contingência.
Somos os únicos seres que sabem que vão morrer, e, no entanto, continuamos a cultivar jardins. Plantamos flores na beira do túmulo, e escrevemos sinfonias no silêncio das noites. Construímos memórias sobre ruínas, e é essa capacidade de significar o insuportável que constitui nossa grandeza trágica.
O ser humano é, pois, a interrogação que caminha, a ausência que deseja plenitude, a ferida que busca sentido. É, como dizia Rilke, “um pássaro no coração da noite”, cantando para um céu que talvez não responda, mas que, por sua mudez, nos obriga a criar.
Em última instância, não somos aquilo que possuímos, mas aquilo que suportamos, e o modo como transfiguramos essa dor em beleza é a mais nobre expressão de nossa condição. O ser humano é o poema inacabado da natureza, escrito com sangue, luz e silêncio, entre a angústia de ser e a esperança de tornar-se.

Autor: Eduardo Gomes
Data: 22/07/2025

 

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