A Beleza (Oliver Harden)
A beleza, essa aparição fugidia que cintila por entre os véus do tempo, exerce sobre os olhos humanos uma espécie de encantamento hipnótico que, por mais sublime que seja, carrega em sua própria tessitura a semente de sua ruína. Como a alvorada que, ao mesmo tempo em que inaugura o dia, já prenuncia o crepúsculo, a beleza se apresenta como uma promessa que não pode perdurar sem trair a própria essência. Ela é instante, lampejo, epifania, e por isso mesmo, impermanente.
É comum que o mundo se curve diante da beleza com uma reverência quase religiosa. E, no entanto, poucos percebem que tal adoração é, muitas vezes, uma forma de servidão voluntária ao efêmero. Aquilo que é belo demais impõe silêncio ao pensamento, detém o olhar, imobiliza o gesto, não por plenitude, mas por vertigem. Há na beleza uma espécie de autoridade que não precisa justificar-se, pois se basta em sua pura aparência, mas cuja força decai à medida que o tempo, esse grande iconoclasta, vai corroendo o verniz das formas com a lixa da realidade.
Não há trono tão alto que o tempo não alcance, nem esplendor que não se transforme, cedo ou tarde, em ruína estética ou em banalidade percebida. A flor que desabrocha no ápice da primavera carrega já a sentença da murchidão. O rosto simétrico, que antes encantava multidões, converte-se em máscara trincada no espelho do futuro. Mesmo as obras de arte, quando excessivamente dependentes da forma e do impacto sensível, perdem densidade aos olhos que aprendem a ver além do brilho. Assim, o que se revela inicialmente como esplêndido termina por exigir constante renovação, como um tirano que teme perder o trono da atenção coletiva.
Ao se apoiar exclusivamente na beleza, o ser humano abdica do que é mais resistente ao tempo, a profundidade, o pensamento, o gesto ético, a densidade do ser. Pois tudo o que é belo sem substância é como palácio de papel, reluzente ao sol, mas destinado à dissolução na primeira chuva. E quando a estética se sobrepõe à ética, quando o corpo suplanta o caráter, instala-se uma civilização de máscaras, onde cada olhar é uma sentença e cada elogio, uma prisão.
Mas há uma beleza que não se consome, justamente porque não se impõe. É aquela que vive no intervalo entre as palavras, no gesto que não busca aplauso, na cicatriz que não nega a dor, na luz discreta que resiste à opulência. Essa beleza não é uma coroa, é uma chama. Não se impõe por sua força, mas permanece por sua verdade.
Assim, não é a beleza que devemos temer, mas a ilusão de sua eternidade. Pois toda forma que domina sem conteúdo está fadada a ser superada. O tempo, esse escultor invisível, é o único que pode nos ensinar a distinguir entre o brilho passageiro e o fulgor duradouro, entre a superfície encantadora e o abismo fecundo. Amar o belo, sim, mas com a sabedoria de quem sabe que só o que resiste ao tempo é digno de reverência.
Autor: Eduardo Gomes Data: 03/06/2025
|