A literatura contemporânea ( Oliver Harden )
A literatura contemporânea, salvo raras exceções, parece ter abdicado de sua vocação primordial: a de lançar o espírito humano às águas turbulentas da reflexão e da inquietude. Substituiu-se o néctar da criação literária por um simulacro insípido, embalado para consumo imediato, destituído de substância e profundidade. Os escritores de hoje, ao invés de ousarem desafiar o previsível, vestem-se com o mesmo colete salva-vidas e deixam-se conduzir pela correnteza do efêmero, acreditando que a repetição do óbvio constitui um gesto de originalidade.
Vivemos tempos em que a literatura se curva ao cotidiano mais raso, limitando-se a um registro fugaz daquilo que é passageiro. Os romances, outrora monumentos da introspecção e da exploração psicológica, converteram-se em meros diários de bordo, descartáveis e desprovidos de densidade filosófica. Mas onde estão as grandes narrativas que nos desestabilizam? Onde se escondem os personagens que, ao invés de confortar, nos fazem confrontar a nós mesmos e a precariedade de nossa existência?
Dostoiévski não apenas escrevia romances; ele arquitetava abalos sísmicos na consciência de seus leitores. Sua pena nos dilacerava com interrogações viscerais, desmantelava certezas e expunha as fissuras da alma humana em sua plenitude angustiada. Hoje, ao contrário, o que nos oferecem são textos homogêneos, previsíveis e vazios de tensão filosófica, meras repetições das mesmas fórmulas desprovidas de risco e transcendência. O que aconteceu com a inteligência literária? Onde se escondeu a profundidade psicológica?
Dostoiévski nos entregou obras que se assemelhavam a cebolas: camadas sobre camadas de significados, exigindo do leitor não apenas o ato de virar páginas, mas o esforço de desvendar e absorver cada estrato de complexidade. Cada linha de seus romances era um convite ao abismo, um enfrentamento com os espectros que habitam as profundezas do ser. E o que nos resta hoje? Um espelho liso e inócuo, onde apenas se reflete a monotonia do mesmo, o tédio da ausência de ousadia.
É imperativo que resgatemos a literatura do marasmo em que se encontra submersa. Precisamos de narrativas que nos façam mergulhar no insondável, que explorem a densa tapeçaria da condição humana sem medo de sua vertigem. Escrever deve ser um ato de inteligência e coragem, e ler, uma experiência de imersão e descoberta.
Estou de luto pela inteligência literária, mas mantenho a esperança de que ainda haverá quem retome o caminho das grandes perguntas, das complexidades inescapáveis, dos dilemas que nos desafiam. Que o fluxo da literatura retorne ao seu curso natural, profundo, sinuoso, arrebatador.
Autor: Eduardo Gomes Data: 17/02/2025
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