Poesias

OLIVER HARDEN       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

O Egoísmo Humano: Entre a Necessidade e a Condenação ( Oliver Harden )

O egoísmo, como manifestação central da psique humana, é paradoxal: ao mesmo tempo em que se apresenta como a força propulsora da autopreservação e do progresso individual, também se configura como um dos elementos mais condenáveis na ética e na moralidade social. A tensão entre esses polos – a necessidade e a reprovação – revela a ambiguidade inerente à condição humana. O homem, ao agir em nome de si mesmo, pode tanto afirmar sua existência quanto corroer os laços que o conectam ao outro. Este ensaio buscará explorar o egoísmo humano sob três perspectivas: filosófica, psicológica e sociopolítica, delineando os contornos desse fenômeno tão essencial quanto problemático.
I. A Fundamentação Filosófica do Egoísmo: Entre Hobbes e Nietzsche
A filosofia ocidental há muito se debruça sobre a questão do egoísmo, oscilando entre sua legitimação e sua condenação. Para Thomas Hobbes, em Leviatã, o homem em seu estado de natureza vive em um cenário de guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), motivado por seus interesses individuais. O egoísmo, nesse sentido, é ontológico, pois emerge da necessidade de sobrevivência e do impulso de maximização de vantagens. A criação do Estado, com seu aparato coercitivo, seria o único meio de conter essa disposição belicosa, canalizando o egoísmo individual para a cooperação social.
Contrastando com essa visão, Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, rejeita a noção de que o egoísmo deva ser reprimido. Para ele, a moralidade tradicional – sobretudo a cristã – instrumentalizou a culpa para enfraquecer os mais fortes e elevar os fracos. O egoísmo, ao invés de ser um vício, seria uma expressão legítima da vontade de potência, um motor criativo que impulsiona o indivíduo para além das massas medíocres. Assim, Nietzsche sugere que o egoísmo não deve ser superado, mas sim compreendido e afirmado como parte da autenticidade do ser.
Se Hobbes vê no egoísmo uma ameaça que deve ser controlada para viabilizar a civilização, Nietzsche o enxerga como um princípio vital que deve ser libertado da moralidade repressiva. Essa dicotomia se reflete nas disputas contemporâneas sobre ética, sociedade e economia, nas quais a autonomia individual colide com as exigências do bem comum.
II. O Egoísmo na Psicologia: Freud, Ayn Rand e o Dilema da Individualidade
A psicanálise freudiana também lança luz sobre o egoísmo humano, mas sob outra perspectiva. Para Sigmund Freud, o id, repositório dos desejos instintivos, é essencialmente egoísta, buscando a satisfação imediata sem considerar as consequências. O superego, por outro lado, internaliza as normas sociais e morais, reprimindo impulsos egoístas para viabilizar a convivência coletiva. Dessa forma, o egoísmo não é meramente um traço comportamental, mas um conflito psíquico entre desejo e repressão, entre o prazer imediato e a necessidade de adaptação social.
Já para Ayn Rand, o egoísmo não é apenas natural, mas também moralmente justificável. Em A Revolta de Atlas, Rand propõe uma ética do egoísmo racional, na qual cada indivíduo deve buscar seus próprios interesses de maneira lógica e consistente, sem sucumbir à imposição de sacrifícios altruístas. A ideia de que o altruísmo é um imperativo moral é, segundo ela, um instrumento de controle que reprime o potencial humano e favorece a mediocridade.
Entretanto, a psicologia moderna revela que o egoísmo absoluto pode levar ao isolamento e ao niilismo. Estudos demonstram que o homem, sendo um animal social, precisa do outro para validar sua existência. A busca descontrolada pelos próprios interesses, sem reciprocidade, pode resultar em sentimentos de vazio, angústia e solidão, comprometendo o próprio propósito de uma vida autêntica e significativa.
III. O Egoísmo e a Sociedade: O Capitalismo, a Democracia e o Paradoxo do Interesse Comum
O egoísmo humano, quando transportado para a esfera sociopolítica, torna-se um problema estrutural. O capitalismo, por exemplo, fundamenta-se na ideia de que indivíduos perseguindo seus interesses pessoais acabam, involuntariamente, promovendo o bem-estar coletivo. Adam Smith, em A Riqueza das Nações, argumenta que a busca do lucro próprio conduz, por meio da “mão invisível”, ao progresso econômico. Entretanto, esse mecanismo não é infalível: crises financeiras, desigualdades extremas e degradação ambiental são sintomas de um egoísmo sistêmico que ignora consequências de longo prazo.
Na democracia, o egoísmo se manifesta de maneira ambígua. Por um lado, o sufrágio universal permite que cada cidadão defenda seus próprios interesses; por outro, quando esse interesse degenera em clientelismo ou populismo, pode resultar na erosão das instituições democráticas. O risco reside na tendência de cada grupo priorizar seus próprios benefícios sem consideração pelo equilíbrio do todo, levando à fragmentação política e ao colapso da coesão social.
O paradoxo da sociedade moderna reside no fato de que o egoísmo é, ao mesmo tempo, motor de inovação e causa de desigualdades estruturais. Sem uma regulação que equilibre autonomia individual e responsabilidade coletiva, a tendência é que o egoísmo exacerbado leve à desumanização e ao enfraquecimento dos laços comunitários.
Conclusão: O Egoísmo Como Força Dialética
O egoísmo humano não pode ser reduzido a uma condenação moralista, tampouco pode ser romantizado como um ideal absoluto. Ele é uma força dialética que tanto impulsiona a realização individual quanto ameaça a estabilidade social. A grande questão, portanto, não é eliminar o egoísmo, mas compreendê-lo e regulá-lo de modo a equilibrar a busca do interesse próprio com a manutenção de um tecido social saudável.
A história da civilização é a história do embate entre egoísmo e cooperação, entre indivíduo e coletivo. O desafio contemporâneo reside em reconhecer essa tensão sem cair em extremismos – seja na repressão moralista do egoísmo, seja na sua glorificação irrestrita. Somente através de uma ética da responsabilidade, que harmonize autonomia e solidariedade, poderemos transcender esse dilema ancestral e construir uma sociedade onde o egoísmo, longe de ser uma patologia, torne-se uma força criativa e humanizadora.

Autor: Eduardo Gomes
Data: 17/02/2025

 

Categorias Poéticas:


Eduardo Gomes          Tel.: 55 - 71 - 98148.6350     Email: ebgomes11@hotmail.com | Desenvolvido pela Loup Brasil.