Poesias

GILKA MACHADO       Voltar   Imprimir   Enviar   Email

Conjecturando

(A Osório Duque Estrada)

Luctar. . . mas para que?
para, em fim, cedo ou tarde, sêr vencida?
Luctar. . . mas para que?
si a vida
é o que se vê
e se sabe: uma lucta indefinida,
onde qualquer sêr
que lucte ha de perder.

Exhausta, na existência eu as armas deponho,
e, ao envez de luctar,
distraio-me a sonhar,
faço do próprio mal um motivo de sonho.

E' bem melhor soffrer a dôr definitiva,
dôr que ora se amortece, ora se aviva,
e é sempre a mesma dôr,
do que luctando, num constante abalo,
e alimentando da Esperança o anhelo,
caminhar para o Ideal, consegui-lo, alcançal-o,
e, logo após, perdel-o.

Convenci-me,
agora, de que o goso é um crime,
pelo qual nos cabe tetrica expiação.
Feliz de mim que ignoro do prazer, 
tristes dos que muito venturosos são, 
pois não sabem inda o que a soffrer
virão.

Ai dos felizes!
Ai dos felizes!
Bemdito sejas, meu pezar interno,
embora sempre me martyrises !
Bemdita a dôr que no meu ser actúa,
porque, apezar de tudo, a Dôr é bôa
para quem a ella se habitua.
A dôr antiga
é uma dôr amiga,
dóe pouco a pouco, não magoa
quasi.

Ai dos que fruem da ventura a phase,
loucos, á espera de um prazer superno!
Ai dos que vivem nos enganadores
gosos desta existência!
— A dôr inesperada é a maior dentre: as dores,
vem com toda a violência
das vinganças. . .

Alma de onde somente o riso escapa,
alma que da alegria não te canças,
olha que a Dôr prepara o seu -bote, a socapa ! . ..
si attingiste do goso a plenitude
é que ella bem te illude,
e se prepara e apura
— traiçoeira — te engendrando uma horrível tortura!

Viver. . . mas para que ? Ai dos que amam a vida
por lhe haverem provado até então do prazer!
torturas soffrerão quando a virem perdida,
por amarem a vida
hão de cedo morrer!

Ai do ser que accumula
o ouro das illusões
— um thezouro prepara
para
satisfazer a Morte avara.. .
quantas riquezas vão para os caixões!

Ai daquelle que tem o corpo forte,
pois conservar a carne pura e san
é o mesmo que engordar a ovelha para o corte!
ai daquelle que, amanhan,
saboreado será pela gula
da Morte!

Ai dos que se suppõem vencedores
desta lucta e, embriagados de ventura,
passam alheios á Desgraça ! ...

Ai dos que gosam faustos e esplendores!
que tortura sem par,
por uma cova regelada e escura
um palácio trocar!

Veloz a vida dos felizes passa ..

Ai dos ricos, que vivem sempre cheios
de vaidade e de bens roubados, bens alheios !
de que valem fazerem tanto mal,
si tudo hão de deixar pela Morte, afinal ?!

Felizes dos que vivem na miséria,
de corpo sêcco, de alma exgottada,
pois nada levam para a funeria
orgia dessa velha deletéria.

Felizes desses que não têm morada,
que não têm conforto,
não tiveram passado e não terão porvir,
que, quando a Morte, emfim, lhes fôr chegada
(ha sempre abrigo para um corpo morto!)
pouso conseguirão, em calma, hão de dormir.

Fará os felizes tem a Morte horrores,
é o inferno"com todas as torturas,
mas tem mysterios promissores
para as creaturas
que só souberam do travôr das dores.

Cada dia que passa me persuade
que bem melhor que a felicidade
é a insensibilidade;
as delicias
da vida são fictícias,
e a morte é o meio singular
de não soffrer, de não gosar.

Feliz de quem se fez soffredora submissa
e desistiu da liça,
vencedora será quando a Morte chegar
porque lhe ha de burlar
a insaciável cobiça.

Feliz de mim que, de illusões vasia,
vou me acabando, dia a dia,
Feliz de mim que não terei mais nada
para a Morte levar.. .
Feliz de mim que, a esfallecer, diviso
um goso doce, delicioso, manso,
pois si a morte não me for o paraiso,
ha de ao menos me sêr da tortura o descanço.
do declive da vida na jornada. 

 

- Gilka Machado, in "Estados da alma: poesias". Rio de Janeiro: Revista dos Tribunaes, 1917. (ortografia original)

Autor: Eduardo Gomes
Data: 21/02/2020

 

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