Sísifo, o fogo e as essências! ( Florisvaldo Mattos )
Aos mortos do World Trade Center de Nova York (Terça-feira, 11/09/2001)
Liberté, j’écris ton nom ( Paul Éluard )
Grandes e estranhos pensamentos Francamente trafegam pelas Rotundas da noite. Desperto De longínquas esferas, ardo. Propenso a inundar-me do ar da noite, Absorvo mapas de passado grávidos.
Só a noite, sim, me recupera os tendões Nervosos que me amarram a almejadas Glórias, as que me faziam anjo Pairando sobre mantos estelares E, súbito, perdi. Tateio entre ventres, Entre seios, flores murchas de olor sugado.
Não estou nada feliz. No mar revolto De sonhos desvanecidos, resta-me, De meu posto, aguardar o êxtase tempestuoso. Gêmeas torres sem alegrias, imponentes, Diáfanas: o orgulho traspassa constelações, A enrijecer, petrificar corações em febre.
Tudo se parece com o mar: profundidade E sobressalto. Outrora eram desertos, Fecundas areias de canto e idílio Nostálgicas. Ou, antes, com céu propício A viagens, ao sopro de ventos perenes, Navegações de alma, semblantes nômades.
E, assim, marcho para a noite de estilhaços, Onde submerjo. Sobrevieram devastações, Mal os pássaros acordavam, quando tudo Transmudou-se em frágua vertical, depois ruiu, Poeira e pedra no descambo caçando Sísifo, Solerte adubação, solo propenso a iras.
Ó pranto hereditário de Velho Oeste Sem anjos, fogo de revólveres pedagógicos, Terras (disseram) de glorioso fundamento. Metralhadoras em noites de ritos fumegantes, Ó didático pragmatismo do aço, sangue e balas; Moedas de fel sobre relva de surdos passos.
Decididamente, perco-me entre grossas Cordilheiras de fumo, de caliça e ferro Retorcido; corpos de forma e cor nenhuma. Decididamente, o caos se fez medo e escombros, Ante rostos atônitos, bocas empedernidas. De novo Guernica? De novo Nagasaki?
Pássaros cegos descreveram linhas rubras No céu da manhã, refletidas na água verde Do rio que segue indiferente destino Sob grandes pontes. No chão, decididamente, Em letras de cimento e alumínio, a mão do anjo Escreve: Humanidade, vergonha é o teu nome!
Poema de Florisvaldo Mattos, Salvador, 20/09/2001.
Autor: Eduardo Gomes Data: 18/10/2005
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